Levei muito tempo para entender que a vida não é um quebra-cabeças. A lógica do quebra-cabeças é você encaixar peças para formar uma imagem pré estabelecida. Essa rigidez permite apenas encaixes já existentes, permitidos e pré definidos conforme o objetivo a ser alcançado: montar pequenas peças umas nas outras, que sozinhas não fazem sentido mas juntas formam um todo. A maior parte da minha vida passei tentando encaixar peças que me eram alcançadas, disponibilizadas, tendo eu pedido por elas ou não, na expectativa de formar um todo idealizado por mim, pela minha família, pela escola, pelos amigos, pela sociedade. O problema é que no meio do caminho muitas vezes algumas peças não encontravam encaixe, não tinham lugar naquela imagem pré-estabelecida.
A lógica do quebra-cabeças passou a não ter tanta lógica assim, e a frustração passou a ser a palavra de ordem, afinal, qual o objetivo se não o encaixe? A sensação de inadequação e não pertencimento, de não estar se encaixando, é algo que vai te consumindo aos poucos, sabotando e minando, gerando insegurança, tristeza, raiva e muitas vezes negação. Não admitir sentir-se assim é pior do que por fim aceitar esses sentimentos.
Ao espalhar as peças como criança quando perde o jogo, ao me esparramar em mil pedaços, alguns quebrados, outros apenas arranhados, passei a enxergar que na verdade a vida está mais para um Lego do que para um quebra-cabeças. Esse brinquedo fantástico te traz não só a montagem já pré-estabelecida, mas também infinitas possibilidades de usar as peças da forma como vc quiser, na ordem que você achar mais conveniente e de acordo com o objetivo que você quer alcançar. Esse objetivo pode mudar ao longo da brincadeira, conforme o seu humor, sua disposição, sua criatividade, suas necessidades imediatas ou a longo prazo.
Não há rigidez na escolha das peças, não há inadequação na montagem. A originalidade tem espaço, a criatividade é uma ferramenta e a liberdade é um pressuposto. O dualismo certo/errado passa a ser menos importante, o que era preto no branco passa a dar espaço para uma cartela infinita de cores. Você pode montar, desmontar, montar novamente, reconstruir, inventar, trocar, readaptar, criar. Pode inclusive guardar as peças que sobraram para um novo projeto. Sem com isso ter que parar a brincadeira.
Você pode ser feliz com as criações que você mesmo inventou, com os objetivos que traçou.
O clímax disso tudo é a sensação inigualável de pertencimento, encaixe e adequação que somente a maturidade, o auto conhecimento e o reconhecimento das tuas dificuldades podem proporcionar. Faça da vida um Lego.
Sobre a autora:
Claudia Bertholdo
Escritora e Psicanalista em Formação
Instagram: @clau.bertholdo
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